De acordo com Índice de Sustentabilidade Urbana (ISLU), gestão do lixo não avançou no país e 58% dos municípios brasileiros ainda não possuem modelo de arrecadação específica
Editado por Flavius Deliberalli
Alguns dias após o encerramento da COP26, um dos principais eventos globais sobre mudanças climáticas, realizado entre outubro e novembro do ano passado, o Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana – ISLU 2021, revelou que, se mantido o cenário atual, o Brasil dificilmente cumprirá os objetivos de desenvolvimento sustentáveis da Organização das Nações Unidas (ONU) relacionados à gestão do lixo. De acordo com o estudo feito pelo Sindicato Nacional de Limpeza Urbana (SELURB) em parceria com a PwC Brasil, houve um tímido avanço na gestão do lixo nos últimos cinco anos e 58% das cidades brasileiras ainda não possuem um modelo de cobrança para custear os serviços de coleta e tratamento do lixo.
O resultado é que metade dos municípios ainda despeja seus resíduos em lixões a céu aberto, mudança pouco expressiva em comparação com os 55% identificados na edição de 2016 do índice.
“Além de garantir a sustentabilidade econômico-financeira da atividade, a cobrança pelos serviços se reflete na destinação final ambientalmente adequada dos resíduos e em melhores índices de reciclagem, além de contribuir para a redução na geração de lixo por pessoa”, comenta Márcio Matheus, presidente do SELURB.
O estudo analisou a realidade de 3.572 municípios em todo o país, revelando que 50% deles ainda descarta seu lixo de forma ambientalmente inadequada. A cobertura da coleta porta a porta se manteve na casa dos 76%, com um quarto da população sem acesso aos serviços. Já a taxa de reciclagem patina em torno de 3,5% nos últimos cinco anos.
“Somente uma mudança de gestão, com recursos financeiros para modernizar e aumentar a eficiência dos serviços, trará resultados positivos para o setor e, consequentemente, a redução dos impactos ambientais causados pela produção de resíduos”, explica o presidente do SELURB, ressaltando que essa possibilidade depende da efetiva implementação do Novo Marco do Saneamento, que impôs aos municípios a obrigatoriedade de criar um sistema de cobrança que tornem sustentáveis os serviços de coleta, tratamento e descarte ambientalmente adequado do lixo.
A edição do ISLU 2021 é a segunda que analisa o desempenho das cidades com base na atualização da fórmula fatorial do estudo ocorrida em 2020, considerando a cobrança pelos serviços, na forma de tarifa ou taxa, em oposição ao orçamento municipal, que não pode mais ser utilizado para o custeio da atividade, consoante vedação legal do Novo Marco do Saneamento.
Por isso, houve uma queda na pontuação média de todas as regiões em comparação com os resultados anteriores a 2020, já que 55% das cidades ainda não implementaram um modelo de cobrança específica, ainda utilizando o orçamento para custear coletivamente um serviço que deve ser custeado individualmente pelos respectivos usuários.
A região Sul é a que apresenta pontuação mais alta no ISLU, com média de 0,545 e índice de reciclagem de 7,2%, o melhor do país. O Sul também se destaca pelo total de municípios que já aplicam algum modelo de cobrança, o equivalente a 83,5%. No entanto, ao observar os resultados do Nordeste, a lógica se inverte – com a média mais baixa do país, de 0,351, e pior índice de reciclagem, de 0,30%, apenas 7,6% das cidades da região possui cobrança específica e apenas 13,3% fazem a destinação adequada do lixo.
Com pontuação de 0,371, o Norte é o que possui menor índice de destinação correta do lixo. Apenas 10,1% dos municípios fazem o descarte adequado dos resíduos, o que significa que quase todo o lixo produzido na região é enviado para lixões a céu aberto, contaminando o solo, rios, mares e o ar, além de contribuir para a proliferação de doenças em meio às comunidades socialmente vulneráveis do seu derredor.
No Centro-Oeste, a pontuação média é de 0,406 e a cobertura da coleta está acima da média nacional, com 78,6% ante os 76% do país.
Segundo melhor pontuado pelo estudo, o Sudeste também apresenta a melhor taxa de coleta. Com cobertura de 85,5%, a região é a que mais se aproxima da universalização dos serviços. No entanto, para melhorar a média de 0,487 e alcançar o nível médio estabelecido pelo ISLU, acima de 0,600, ainda precisa avançar na destinação correta e na reciclagem dos resíduos.
“Existe uma desigualdade muito grande entre os estados brasileiros, que observamos em todas as edições do ISLU até agora. Com políticas de gestão mais eficientes e modelos de cobrança de longa duração, alguns com mais de 20 anos, a região Sul se sobrepõe às outras em praticamente todas as dimensões. É um ponto importante a ser observado, de como a cobertura dos custos se reflete na qualidade e na eficiência dos serviços executados”, diz o economista José Freitas, diretor do Departamento de Economia do SELURB.
Nesta edição, o ISLU realizou uma análise adicional sobre o impacto da cobrança na geração de lixo, que aponta redução de 8% no total de lixo gerado per capita em cidades onde há algum tipo de cobrança específica pelos serviços de limpeza e manejo de resíduos. O volume é equivalente a quase metade do estádio do Maracanã, ou a um mês sem geração de lixo no país, o que representa quase um ano a menos de geração a cada década.
O estudo analisou a realidade de 3.712 municípios em todos os Estados do Brasil, constatando que em apenas 1.662 há cobrança específica. Em apenas 132 dessas cidades, o valor arrecadado cobre totalmente os gastos com coleta, tratamento e descarte adequado de resíduos. Ainda assim, os resultados comprovam que a implementação da cobrança reflete diretamente no comportamento das pessoas, que passam a ter consciência do lixo que produzem e dos custos que o volume representa.
“A cobrança muda a relação das pessoas com os resíduos, da mesma forma que ocorre com outras utilidades econômicas domiciliares, como água, gás e energia elétrica, ou seja, diminuindo o desperdício. O resultado é positivo, pois há uma redução no total de lixo produzido individualmente e, consequentemente, na disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos”, finaliza o presidente do SELURB.
Mais informações:
SELURB
https://selur.org.br/