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Recicleiros: transformar a reciclagem no Brasil

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Conheça mais sobre a atuação da entidade ambientalista em entrevista exclusiva

Por Elen Nunes / Editado por Flavius Deliberalli

Desenvolver ações educativas e integrar prefeituras, empresas e catadores para ampliar a reciclagem e a circularidade no Brasil. Nesta entrevista exclusiva, Erich Burger Netto, fundador e diretor de desenvolvimento de negócios da Recicleiros, detalha a atuação da entidade ambiental.

Leia agora:


1- Como funciona o Instituto Recicleiros? Fale um pouco sobre a atuação.
A Recicleiros surgiu em 2007, idealizada por Erich Burger Netto e Rafael Henrique Rodrigues. Trata-se de uma Organização da Sociedade Civil (OSC) que atua no conceito da economia circular, por meio da conexão de todos os atores necessários para o correto sistema de gestão de resíduos de uma cidade, promovendo nos municípios a reciclagem inclusiva, que gere impacto social positivo, se tornando viável economicamente.

A inovação está justamente na forma de conexão desses atores e na expertise para tornar esses relacionamentos virtuosos e capazes de gerar transformação social e ambiental pela reciclagem de impacto. Trabalhamos em parceria com os municípios, levando conhecimento e recursos técnicos, além de conexões e investimentos complementares aos esforços das prefeituras para estabelecer a coleta seletiva como uma política pública.

Implantamos nas cidades um novo conceito de centrais de reciclagem. São Unidades de Processamento de Materiais Recicláveis de alta eficiência, segurança e ergonomia. Com equipamentos modernos, assessoria técnica qualificada e gestão, são criadas oportunidades de trabalho e qualificação profissional para pessoas em situação de vulnerabilidade social e econômica. Além disso, Recicleiros desenvolve ações educativas e comunicacionais junto aos munícipes para o engajamento e o despertar da responsabilidade comunitária. Neste arcabouço de integração, consolidamos nas cidades brasileiras uma tecnologia socioambiental inspiradora e bem-sucedida. Até o momento, em todas as nossas unidades foram processadas mais de 5 mil toneladas de materiais recicláveis por ação direta de mais de 230 catadores, e isso é só o começo.

Acabamos de estabelecer uma parceria com a OSC global Alliance to End Plastic Waste (Aliança para Acabar com Resíduos Plásticos – AEPW), para uma colaboração de cinco anos, que visa ajudar a conter o vazamento de resíduos plásticos no ambiente, apoiando nossos esforços de reciclagem para levar este projeto para 60 cidades, de 26 estados do Brasil, criando programas comunitários de coleta de resíduos. Vamos estabelecer, assim, uma rede com geração de 3 mil novos postos de trabalho para catadores empreendedores.

Quando estiver totalmente operacional, o programa terá capacidade para reciclar pelo menos 30 mil toneladas de resíduos plásticos por ano. A chave para a viabilidade comercial do programa e os benefícios ambientais almejados está na criação de mercados finais para os recicláveis. Dessa forma, estamos nos conectando diretamente com donos de marcas e indústrias recicladoras e fabricantes de plásticos para encurtar a cadeia de comercialização e garantir assim melhores preços na venda de resíduos plásticos e maior retorno aos catadores, tornando o projeto viável economicamente. Além disso, é fundamental o desenvolvimento tecnológico da cadeia produtiva para que a possibilidade de upcycling torne a reciclagem rentável para os catadores e assim, possa contribuir para os índices de recuperação de materiais recicláveis pós-consumo.

Atualmente, já são dez unidades em operação: Piracaia e Garça (SP), Três Rios (RJ), Guaxupé (MG), Campo Largo (PR), Caçador (SC), Cajazeiras (PB), Ji-Paraná (RO) e Naviraí (MS), além de Jericoacoara (CE), onde aconteceu a experiência piloto.



2- Como você vê o atual momento da logística reversa de embalagens no Brasil? E o futuro?

Mesmo sendo uma prioridade prevista na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) – Lei no 12.305/2010, sancionada há mais de 12 anos, a reciclagem ainda avança de maneira tímida e vagarosa. A ausência de políticas públicas sólidas, infraestrutura para coleta e processamento e uma demanda estruturada e sustentável pelos materiais pós-consumo faz com que a reciclagem encontre dificuldades para evoluir.

Para que a logística reversa de embalagens se torne sustentável e promova de fato uma economia circular, etapas fundamentais precisam acontecer. Desde o aumento efetivo e qualificado da capacidade produtiva, até a conexão dos materiais que passam pelas esteiras de triagem com o mercado reciclador por valores viáveis.

A fiscalização por parte dos governos têm papel fundamental nessa jornada, bem como os compromissos assumidos pelas grandes organizações que podem influenciar práticas sustentáveis.

O Brasil deixa de ganhar R$ 14 bilhões por ano por não reciclar e enviar para aterros sanitários e lixões materiais que deveriam ser coletados e transformados em novos produtos.


“O Brasil deixa de ganhar R$ 14 bilhões por ano por não reciclar e enviar para aterros sanitários e lixões materiais que deveriam ser coletados e transformados em novos produtos”

3-A adesão de empresas com essa consciência genuína tem sido uma crescente? Como o empresariado pode evoluir na pauta de responsabilidade compartilhada?
Esse também é um movimento ainda muito incipiente mas fundamental para viabilizar a tese de economia circular. Muito trabalho de base ainda precisa ser feito para que se alcance um cenário de redução de custos como muitas empresas querem. Mas para isso é preciso investir e se comprometer com mais do que o mínimo do que é exigido pela lei. Se queremos ver a economia circular acontecer, desde o ecodesign de embalagens até a demanda sustentável pelos materiais pós-consumo precisam estar no radar e na agenda das empresas. Não existe logística reversa sem reciclagem e para que a reciclagem ocorra, essas resinas pós-consumo precisam ser consideradas no desenho de novos produtos e embalagens. Acreditamos que esse é o único caminho e esse conceito precisa ser fortalecido e valorizado.

A parceria com a AEPW tem nos ajudado a avançar com essa importante infraestrutura e mais do que isso, com a consolidação de um modelo que pode inspirar e auxiliar outras iniciativas e organizações como a nossa a replicar soluções capazes de virar esse jogo. Esse é o Programa Recicleiros Cidades, que implanta a coleta seletiva nos municípios e ajuda o setor empresarial a estar em conformidade com a prática prevista na PNRS, assessorando as prefeituras na implementação de uma coleta seletiva inteligente e oferecendo às empresas certificados de reciclagem de embalagens pós-consumo com responsabilidade socioambiental.



4- Vocês têm projetos com materiais de difícil reciclagem, como, por exemplo, embalagens flexíveis, entre outros?
Somos um canal de recuperação de materiais pós-consumo. Não somos desenvolvedores de tecnologia para transformação de materiais. Construímos a base, o primeiro elo dessa cadeia de valor, desde a política pública de coleta seletiva, passando pelo engajamento do consumidor e a conexão com o mercado reciclador. Podemos conectar qualquer material que saia da casa dos consumidores e das cidades com a reciclagem, contanto que haja uma demanda técnica e economicamente viável, essa é a responsabilidade da indústria.

 

“Se queremos ver a economia circular acontecer, desde o ecodesign de embalagens até a demanda sustentável pelos materiais pós-consumo precisam estar no radar e na agenda das empresas”

 

5- Qual a sua opinião sobre os principais desafios e expectativas para o país aumentar a circularidade de suas embalagens?
O principal desafio é o entendimento sobre os elos que formam essa cadeia, o compartilhamento efetivo de responsabilidades entre setores público e privado e a demanda estruturada pelos materiais que chegam aos consumidores, em todo o país e não apenas onde o frete de retorno é barato. Se não investirmos nesse ecossistema de maneira consolidada, vamos sempre ver os elos fracos dessa corrente romperem. O Brasil é o quarto pior país do mundo em reciclagem, segundo ranking divulgado há alguns dias pelas Universidades de Yale e Columbia, nos Estados Unidos. Atualmente, geramos mais de 82 milhões de toneladas de lixo e só reciclamos 2%. Assim como mencionado acima, a reciclagem é uma das prioridades da PNRS, regulamentado no Brasil em abril, depois de quase 12 anos de espera. A meta de reciclagem é de 14% em 2024 e quase metade de todos os resíduos produzidos em 2040. A implantação da coleta seletiva eficiente nos municípios e a criação de um comportamento para a reciclagem na sociedade são uns dos grandes desafios para que possamos atingir essa meta.

A colaboração entre municípios, organizações do terceiro setor como Recicleiros, parceiros como a AEPW, e as empresas, visa preencher a lacuna entre a oferta e a demanda por materiais recuperados no Brasil.



6- A Recicleiros acredita muito na reciclagem como transformação de vidas. Explique esse propósito.
Atuamos de maneira holística, qualificando os territórios para que eles ofereçam as melhores condições para a implantação de Unidades de Processamento de Materiais Recicláveis de alta eficiência. Para isso, não operamos apenas em um ou outro elo da cadeia. Trabalhamos em parceria com as prefeituras para criar bases sólidas e condições férteis para prosperar com a reciclagem nas cidades. Auxiliamos no desenvolvimento da regulamentação municipal, estabelecemos os melhores processos produtivos com roteiros logísticos de coleta e estruturas de trabalho ideais para a máxima ergonomia e produtividade nas Unidades de Processamento. Realizamos a seleção, formação e capacitação de grupos de trabalho constituídos pela população em situação de vulnerabilidade social. Por fim, implementamos campanhas de educação ambiental e comunicação para sensibilizar e orientar os munícipes quanto ao descarte correto de resíduos. Acreditamos que com isso, podemos constituir um importante elo dessa cadeia de valor, incluindo pessoas que estavam à margem da sociedade como fator determinante e competitivo para o sucesso dessa equação. O envolvimento dos gestores públicos e população também fazem parte dessa transformação de vidas.

Com relação a treinamentos, a Academia Recicleiros do Gestor Público é uma capacitação em modelo EAD que apoia o desenvolvimento de políticas públicas municipais para resolver o problema do lixo nas cidades. Auxilia equipes da administração municipal a estabelecer em seus territórios condições favoráveis para implantação e desenvolvimento sustentável da coleta seletiva e reciclagem. Por ser online, a academia é acessível a qualquer cidade do Brasil, com objetivo de compartilhar as nossas experiências acumuladas ao longo dos anos, trabalhando em parceria com cidades brasileiras para implantar programas de coleta seletiva economicamente viáveis, eficientes e sustentáveis.

A Academia Recicleiros do Catador capacita tecnicamente os trabalhadores das unidades de triagem para que se tornem empreendedores e protagonistas dos processos de reciclagem em seus territórios. Capacitamos grupos de catadores para o protagonismo em gestões eficientes e tecnicamente eficazes. Fomentamos as organizações pelo cooperativismo e empreendedorismo social, capazes de criar oportunidades e perspectivas econômicas para um futuro melhor para suas famílias. Para nós, a reciclagem só é sustentável se for inclusiva e emancipatória.

Para a sociedade, desenvolvemos ações educativas e comunicacionais junto aos munícipes, para o engajamento e o despertar da responsabilidade comunitária. Neste arcabouço de integração, consolidamos nas cidades brasileiras uma tecnologia socioambiental inspiradora e bem-sucedida.

 

“Para nós, a reciclagem só é sustentável se for inclusiva e emancipatória”

 

7- Quais os próximos passos da Recicleiros? O que vem por aí?
Queremos, cada vez mais, ajudar o Brasil a reciclar e gerar renda com esse negócio. A parceria com a AEPW, por exemplo, é uma colaboração importante que visa avançar com mais velocidade na implementação dessa solução e, com isso, ajudar a conter o vazamento de resíduos plásticos no ambiente, capilarizando o projeto na continental dimensão de nosso país, atingindo todos os seus estados.

O programa se baseia em um piloto bem-sucedido que começou no Ceará e foi implementado em outras nove cidades. Acreditamos muito nesse modelo, baseado no desenvolvimento de políticas públicas em parceria com os municípios, engajando as populações locais por meio de programas personalizados de mudança de comportamento, além de desenvolver conexões diretas com os proprietários das marcas, fechando o ciclo. A Recicleiros visa implementar unidades de triagem altamente eficientes em todos os estados brasileiros, em linha com a abordagem da AEPW para encontrar soluções localizadas de resíduos plásticos que possam ser replicadas e dimensionadas.

A parceria traz diversas oportunidades para cumprir a missão estatutária do Instituto Recicleiros. Além do investimento financeiro, essencial para o funcionamento das operações até a fase de equilíbrio, onde os projetos se tornam independentes financeiramente, nos permite alcançar e envolver mais a população e construir uma rede maior de parceiros e possibilidades, bem como criar uma economia circular sustentável para diferentes tipos de materiais. Também seremos capazes de avançar nosso modelo por meio de experiência e troca tecnológica e, finalmente, replicar o modelo por meio de outras iniciativas, gerando cada vez mais empregos e reduzindo o impacto negativo dos resíduos no meio ambiente, por meio da conscientização da população.

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