Embalagens com origem em matérias-primas renováveis, biodegradáveis e compostáveis estão ganhando espaço como opções no cenário nacional
Por Elen Nunes / Editado por Flavius Deliberalli
Buscando alternativas sustentáveis ao plástico, especialmente de uso único, profissionais de pesquisa e desenvolvimento e marcas no mundo todo estudam possibilidades de inovação em prol de embalagens de menor impacto ambiental.
E neste cenário surgem as bioembalagens ou embalagens de biopolímeros. Com origem em matérias-primas renováveis, biodegradáveis e compostáveis, esta opção ainda enfrenta grandes desafios no sentido de seu aperfeiçoamento, como barreira, moldagem, tecnologia, preço, disponibilidade e produção em longa escala. Por outro lado, as soluções já disponíveis no mercado, apontam para um novo e significativo nicho.
Para Marcos Iorio, diretor executivo do Hub Incríveis e professor de design circular para embalagens, no atual contexto do mundo das embalagens há duas questões de grande força que precisam nortear um projeto de design. Uma delas é sobre evitar ou diminuir os plásticos de uso único, considerando que não conseguimos levar esses descartados para a coleta e para a reciclagem (ou até aqui conseguimos muito pouco). Dessa forma, repensar e reduzir passou a ser fundamental. A outra questão é que o plástico é um dos melhores materiais para se usar em embalagens, porque é um material versátil, é leve e protege. Substituí-lo pode causar outros problemas, como o aumento da carga de transporte, aumento de energia para fabricar, aumento de energia para reciclar, o uso da água, entre outras variáveis que nos levam aos problemas das mudanças climáticas. Essa harmonização é a grande equação a ser resolvida por quem desenvolve embalagens.
O especialista acredita também ser essencial pesquisar novos materiais, se inspirando na natureza e buscando polímeros mais inteligentes e que possam ser compostáveis. Porém, compreendendo que eles vão atender um nicho e serão uma parte da solução combinada com reciclagem química, mecânica, modelos de reuso, redução de materiais onde não é necessária utilização e outras iniciativas que combinadas farão diferença na geração de resíduos.
“Sem dúvidas, é importante buscarmos saídas para substituir os materiais fósseis, materiais persistentes na natureza. E é positivo os biomateriais se apresentarem como alternativas para embalagens. Entretanto, é preciso que haja uma maneira de medir os efeitos holísticos dos impactos em cada projeto. Não focar somente no fato de sair do plástico, mas considerar outros impactos como água, uso da terra, uso da energia e outros aspectos ambientais que devem ser considerados e mensurados através de análise de ciclo de vida, que é por enquanto a melhor ferramenta para apuração dos impactos”, explica o especialista.
Iorio também alerta sobre a importância das empresas não utilizarem o termo biodegradável de forma genérica e que as condições de biodegradabilidade são distintas e diferentes e por isso precisam ser analisadas, comprovadas e informadas de forma transparente e efetiva. E pontua ainda que se a briodegradação depende de um sistema de compostagem industrial, ainda não temos estrutura no Brasil para tal processo. “Precisamos nos preocupar em não criar embalagens compostáveis que não tenham onde serem compostadas”, reforça.
Nessa matéria especial, você vai conhecer iniciativas de empresas brasileiras que apostaram nos biomateriais e colocaram no mercado projetos inovadores de embalagens e propostas diferentes com foco na redução do impacto ambiental.
Solo – Embalagens produzidas unicamente de folhas secas da palmeira
O case da Solo Embalagens começou em 2019, na Universidade Federal Fluminense, quando Ana Clara Argento e Mateus Viana, alunos de Desenho Industrial, se juntaram num grupo de estudos para entender a viabilidade e colocar em prática a ideia de uma embalagem feita somente com um material: a folha seca da palmeira. Em 2020, com a pandemia, houve a oportunidade de participarem de um concurso de design e Yago Bunim passou a integrar o time. Foi assim que a Solo Embalagens de fato nasceu, com um time de designers complementares. Em 2021, após uma longa jornada de competições não somente de design, mas também de empreendedorismo, João Vitor Costa entrou para a equipe, com o desafio de transformar a ideia em negócio.
“A escolha da matéria-prima se deu devido às propriedades interessantes da bainha foliar da palmeira, pensando em recipientes para comidas de pronto-consumo, onde o processo produtivo pode ser resumido em três etapas: 1. coleta de folhas secas naturalmente caídas (são resíduos de plantações de palmeira); 2. limpeza das folhas; 3. termomoldagem”, descreve Ana Clara Argento, co-fundadora da Solo Embalagens.
Segundo os responsáveis pelo projeto, estudos mostram um tempo de 6 meses para o início da decomposição do material na natureza, sem nenhuma intervenção. Já dentro da composteira, o teste caseiro indicou 35 dias.
No princípio a Solo Embalagens nasceu como uma solução para embalagens de delivery, onde foram desenvolvidos dois produtos: uma embalagem redonda e uma retangular (ambas de 700 ml). Posteriormente, o grupo analisou que o material se aplica a diversos outros formatos, como pratos, bandejas e talheres, abrangendo novas aplicações, como festas, feiras, piqueniques, lanchonetes e fast-food.
“O próprio nome da empresa já sugere o conceito de circularidade da iniciativa. A matéria-prima vem do solo e é um resíduo natural abundante aqui no Brasil. Não há nenhuma nova intervenção na natureza, apenas o aproveitamento de folhas secas caídas. Após o processo produtivo, a embalagem volta ao solo através do descarte correto e até mesmo se for descartado de forma incorreta, não afeta o meio ambiente de forma negativa, uma vez que o produto é apenas uma folha seca, natural, sem adição de químicos ou resinas”, conta Ana.
Em tão pouco tempo, a Solo Embalagens já acumula seis troféus importantes, mas o destaque da marca até aqui é a embalagem de delivery retangular, que recentemente conquistou o 3º lugar na categoria “Estudantes/Sustentabilidade” no maior prêmio de embalagens do mundo, organizado pela World Packaging Organization (WPO).
“Agora, nosso principal desafio é fundar uma nova indústria no Brasil, utilizando um material inovador para a produção de embalagens. Isso requer o desenvolvimento de um protótipo para validar a nossa capacidade de adentrar no mercado de embalagens no Brasil e, a partir disso, captar os recursos e incentivos financeiros necessários para iniciar a produção da Solo Embalagens e vê-los no mercado”, afirma a co-fundadora.
Panos de Cera da Envolve Bioembalagens
Foi a partir do conhecimento e de uma profunda mudança de vida e de forma de consumir que a publicitária e hoteleira de formação, Luciana Caran, criou a Envolve Bioembalagens: uma startup com o propósito de impactar positivamente a relação de equilíbrio entre o consumo, redução do desperdício de alimentos e o cuidado com o meio ambiente.
Do minhocário à horta caseira e o envolvimento com gestão de resíduos, Luciana ingressou na Associação Brasileira dos Profissionais pelo Desenvolvimento Sustentável (ABRAPS), e após muitos cursos, palestras e novos projetos, assumiu a coordenação do Grupo de Trabalho de Orgânicos da entidade. Foi a partir daí que nasceu a Envolve Bioembalagens. Inicialmente como uma atividade sem pretensão, até o momento em que o projeto foi submetido a um edital do Ministério do Meio Ambiente, de Combate à perda e desperdício de alimentos, e contemplado em primeiro lugar.
“Depois de realizarmos testes e validações junto ao Ministério do Meio Ambiente, ABRAPS e Founder Institute, lançamos o primeiro pano de cera produzido em escala industrial do mercado nacional”, relata a fundadora da marca.
Também conhecida como “ecowrap”, a embalagem reutilizável é feita de tecido 100% algodão e impermeabilizado com cera de abelha, breu (resina de pinus) e óleo de coco, o que garante a proteção e maior duração dos alimentos, além de decorar cozinha e mesa com a beleza das suas estampas.
Conforme informado pela Envolve Bioembalagens, o produto promove a economia e redução de custos ao diminuir desperdício de alimentos e o uso de dezenas de metros de plástico-filme e papel alumínio. A idealizadora conta ainda que já foi desenvolvida uma máquina para sair do processo manual de enceramento.
“É uma solução ideal de embalagem para alimentos, aumenta a sua duração e evita o consumo de embalagens advindas de fontes não renováveis e na maioria das vezes não recicláveis. Economiza recursos finitos do planeta e reduz a zero o lixo, pois os panos são totalmente biodegradáveis. A circularidade do produto deve-se a sua não geração de resíduos, nem na produção, nem no descarte”, afirma Luciana.
O material desenvolvido pela Envolve Bioembalagens não possui limite para utilização. O limite é dado pelo desgaste do produto, que vai depender das boas práticas de utilização, mas estima-se que ele suporte até 150 lavagens.
Ao fim de seu ciclo de vida, há algumas alternativas sustentáveis de descarte também incentivadas pela startup: participar do programa de logística reversa, enviando de volta e adquirindo um novo com desconto; usar com elástico para cobrir fermentados e jarras; usar para acender lareiras e churrasqueiras (em tiras, que rasgam facilmente, enroladas em palitos, gravetos, madeira, lenha); ou simplesmente mandar para a composteira, já que é totalmente compostável.
A startup cresceu através dos diversos programas de aceleração que participa, como do Founder Institute. Com isso, foi possível estruturar a empresa e seguir avançando em melhorias.
A Envolve Bioembalagens também é signatária do Pacto Global das Nações Unidas, reforçando seu compromisso de impactar positivamente o planeta por meio de sua atuação, além de manter um projeto social em que capacita mulheres em situação de vulnerabilidade para a produção dos “ecowraps”, garantindo que fiquem com parte da renda da produção para subsistência.
“Estamos muito animadas agora com o início de uma parceria com a GR Compass + Google, que tem um projeto piloto para utilizar os envolves em sua cozinha industrial. Os testes já estão acontecendo e isso é bastante impactante para nós, que até hoje só havíamos focado no mercado doméstico. Em breve também faremos nosso primeiro envio para a Amazon Estados Unidos, onde começaremos a vender no mercado norte-americano para clientes Prime”, declara.
Oeko Bioplásticos Compostáveis
A produção e o descarte do plástico de origem fóssil tem gerado diversos impactos ambientais. Realidade que o empreendedor João Carlos de Godoy Moreira decidiu desafiar em 2014 com a fundação da Oeko Bioplásticos.
Trata-se de uma empresa de engenharia de materiais que nasceu com a missão de oferecer produtos de fontes renováveis agrícolas e de resíduos agroindustriais para substituir alguns plásticos convencionais para eliminação da pegada de carbono dos derivados de petróleo e seus problemas originados pós consumo, tendo a vantagem de serem, além de recicláveis, compostáveis. Entre os produtos estão embalagens e utensílios que são naturalmente biodegradáveis em processos de compostagem em 30 dias em média, ou em biodigestão, garante a empresa.
A Oeko atende uma diversificada carteira de clientes de variados segmentos de mercado, como instituições públicas, indústria, varejo e consumidores finais.
“Nossos clientes são normalmente comprometidos com a redução de impactos ambientais de suas operações, com o modo de vida e estão envolvidos com as questões de produção limpa, consumo consciente e gestão de resíduos eficaz, dentro dos conceitos da Economia Circular”, relata João Carlos, diretor da empresa.
A motivação do engenheiro de materiais graduado pela UFSCar, para empreender em um segmento inédito no Brasil, surgiu da percepção de que, produzir dentro do ciclo biológico da economia circular é uma adaptação que, cedo ou tarde, as indústrias terão que assumir.
“Nossos materiais e embalagens compostáveis são desenvolvidos e produzidos à base de biopolímeros, onde são preparadas blendas e compósitos com fórmulas próprias, desenvolvidas e adequadas conforme as necessidades em diferentes aplicações. Em todas as fórmulas é garantido o atributo e propriedades de serem materiais compostáveis, ou seja, naturalmente biodegradáveis em processos biológicos, como compostagem aeróbica ou biodigestão anaeróbica, sendo importante para que se faça o seu necessário fechamento de ciclo de vida para contribuir com o meio ambiente” detalha o diretor.
Os produtos de bioplásticos compostáveis que estão consolidados no portfólio da empresa são os sacos para coleta seletiva de resíduos orgânicos, biofilmes mulch agrícolas, sacolas, canudos, copos, embalagens flexíveis e filamentos de lignina para impressão 3D. A empresa afirma que os bioplásticos são naturalmente 100% biodegradáveis em processos biológicos de compostagem termofílicas, em um prazo entre 15 a 30 dias, e em biodigestores. E além disso, são totalmente livres de aditivos promotores de degradação química ou fragmentação (microplásticos).
A Oeko detalha ainda que os biopolímeros ou bioplásticos compostáveis fazem parte do ciclo biológico da economia circular por serem oriundos de fontes renováveis agrícolas e resíduos agroindustriais, e que através de processos biológicos retornam à natureza na forma de água (H2O), dióxido de carbono (CO2) e biomassa “humus”. Os monômeros destes biopolímeros são derivados de fontes renováveis e por serem originados a partir de plantas, absorvem CO2 através da fotossíntese durante o processo de crescimento, evitando a pegada de carbono, enquanto os produtos de origem fóssil (petróleo e gás natural) emitem CO2 para obtenção e produção.
“Um dos nossos objetivos é promover a compostagem dos resíduos orgânicos compostáveis e esclarecer a sociedade sobre os danosos impactos ambientais quando estes materiais são enviados para os aterros sanitários. Estes resíduos que representam em média 50% do que a sociedade urbana gera, quando destinados aos aterros sanitários emitem gases responsáveis pelo aquecimento global. O pior entre eles para o efeito estufa é o Metano (CH4), sendo a compostagem a melhor solução para combater essas emissões e ao mesmo tempo sequestrar carbono, regenerar os solos agrícolas, promover a agricultura orgânica e combater a geração de lixo”, ressalta João Carlos.
Já Fui Mandioca – tecnologia com foco em biopolímeros de mandioca
Outra iniciativa de destaque que tem ganhado espaço no mercado brasileiro é a Já Fui Mandioca, uma startup que desenvolveu uma tecnologia para a fabricação limpa de embalagens biodegradáveis, utilizando fécula de mandioca brava, que é tóxica para alimentação, mas que obtém sucesso na produção de embalagens que viram adubo de qualidade em poucos dias.
“Nessas embalagens de uso único, de consumo imediato, para alimentação que é o nosso foco, achamos que tem materiais mais interessantes e mais inteligentes para esse tipo de aplicação e, justamente por isso, que surgiu a Já Fui Mandioca. É compostável ou biodegradável em quanto tempo? Em que condições? Que tipo de adubo isso gera? Se eu gero um adubo de péssima qualidade e não posso plantar nada com ele, isso não é solução. A gente se propõe a fazer um produto totalmente circular, que não precisa ser reciclável, ele pode ser compostado o que é muito melhor”, considera Stelvio Mazza, fundador da startup.
Em recente entrevista ao portal Conecta Verde, Mazza ressaltou que a embalagem desenvolvida pela empresa não é um alimento e nem é comestível, mas sim uma alternativa viável, eficaz e ecologicamente correta para a produção de embalagens descartáveis.
Por fim e não menos importante…
A respeito da dúvida que paira sobre a utilização de biomateriais como alimentos, diante do combate à fome, estudos apontam que os materiais utilizados para a produção de embalagens não são comestíveis, e sim a parte que seria descartada.
Há outros biomateriais sendo utilizados em aplicações para embalagens espalhadas pelo mundo, como raízes de cogumelos, cascas de uvas, fibra de coco, entre outros. De fato, não sabemos ainda a proporção que esse mercado vai alcançar, mas além de serem iniciativas que pensam desde o princípio de forma circular – o que já demonstra um avanço na consciência da criação – esses novos conceitos trazem intrínsecos também uma comunicação mais assertiva ao consumidor final e acabam fomentando a mensagem sobre o descarte e contribuindo com a educação ambiental. Celebremos a inovação!