Confira entrevista exclusiva com Stelvio Mazza, fundador e CEO da empresa
Por Elen Nunes / Editado por Flavius Deliberalli
Crédito / Imagem Stelvio Mazza: Eduardo Frazão e Carlos Pedretti – Você S/A
Um estudo técnico divulgado em dezembro passado pela organização ambiental Oceana, apresentou dados de que o Brasil despeja, diariamente, 890 toneladas de plásticos nos oceanos, o que corresponde a 325 mil toneladas de lixo plástico em alto mar por ano.
O levantamento mostrou também que o país produz uma média de 500 bilhões de itens descartáveis por ano e, a maior parte deles, se torna lixo. As consequências: além de atingir todo o ecossistema marinho, impactam é claro, na qualidade de vida da população.
Diante desse cenário que necessita de forte trabalho de educação ambiental da sociedade, mas também de alternativas emergenciais, profissionais de pesquisa e desenvolvimento buscam constantemente por inovações a fim de que hajam novos caminhos e possibilidades mais sustentáveis. Um exemplo é o caso da Já Fui Mandioca, uma startup que desenvolveu uma pioneira tecnologia para a fabricação limpa de embalagens biodegradáveis, utilizando fécula de mandioca brava, que é tóxica para alimentação, mas que obtém sucesso na produção de embalagens que viram adubo de qualidade em poucos dias.
O portal Conecta Verde conversou com Stelvio Mazza, fundador e CEO da empresa, que fez questão de ressaltar que a embalagem desenvolvida pela empresa não é um alimento e nem é comestível, mas sim uma alternativa viável, eficaz e ecologicamente correta para produção de embalagens descartáveis.
Confira a entrevista:
1- De forma resumida, explica pra gente o que é o Já Fui Mandioca, propósito e forma de atuação dessa startup.
A Já Fui Mandioca foi se inspirar na natureza, a embalagem mais perfeita que existe. Se você for pensar, é a casca de uma fruta, que embala o produto no tempo que é necessário, nem mais e nem menos e isso é muito importante. E quando você joga ela fora, na verdade não é fora né? Ela é o insumo para uma nova fruta ou para uma nova planta e está de acordo completamente com o ciclo da economia circular, que é o ciclo do planeta Terra. E a gente foi se inspirar nesse ciclo, justamente para embalagens de consumo imediato. Acreditamos que para você tomar um sorvete que vai derreter em menos de trinta minutos, não faz o menor sentido usar um pote que vai demorar mais de quatrocentos anos pra se decompor. Então, nessas embalagens de uso único, de consumo imediato, para alimentação que é o nosso foco, achamos que tem materiais mais interessantes e mais inteligentes para esse tipo de aplicação e, justamente por isso, que surgiu a Já Fui Mandioca. Somos uma empresa de tecnologia e não de embalagens, como muitos pensam. A embalagem é só uma forma de entrega do nosso conceito e nossa solução ambiental de fato. Aqui, a gente tenta o tempo todo criar embalagens de impacto positivo e não simplesmente uma embalagem que fosse menos pior para o meio ambiente. Então, a gente foi buscar em várias etapas do ciclo de vida, desde a produção até o descarte, vários benefícios pro meio ambiente e pra sociedade. De uma forma resumida, a Já Fui Mandioca é uma empresa de tecnologia focada em biopolímeros de mandioca.
“A Já Fui Mandioca foi se inspirar na natureza, a embalagem mais perfeita que existe. Se você for pensar, é a casca de uma fruta, que embala o produto no tempo que é necessário, nem mais e nem menos e isso é muito importante”
2- Como surgiu a ideia da marca/produto? A escolha por mandioca?
A escolha da mandioca tem vários motivos. Primeiro que ela tem um aspecto social aqui no Brasil. Normalmente, quem planta mandioca são pequenos agricultores e agricultura familiar. Então, tem uma questão social muito legal nesse sentido. Segundo que ela, normalmente, é policultura e não monocultura. Então, tem uma questão ambiental no seu cultivo muito interessante também. A mandioca é distribuída em todo lugar do mundo e principalmente em todos os cantos do Brasil, o que é positivo também. A gente usa a fécula de mandioca brava, que é um tipo de mandioca que não serve para alimentação e já é um insumo altamente usado em outras indústrias como têxtil e de adesivos. Então, entendemos que por tudo isso ela tinha propriedades interessantes e é a única raiz, o único amido que tem propriedades físicas e químicas que nos possibilita fazer o nosso processo, que é um processo totalmente novo. Inclusive, a gente que desenvolve o processo industrial, por isso somos uma empresa de tecnologia. A mandioca era a única que tinha propriedades possíveis disso tudo acontecer.
3- Quais as maiores dificuldades que enfrentaram para esse desenvolvimento?
As pessoas não tem ideia da diferença entre você criar um protótipo e você produzir isso em larga escala. Então, estamos tentando criar algo que ninguém nunca fez. Se a gente fosse construir uma cadeira ou um carro, tem anos de benchmark, várias empresas pra se basear, especialistas, maquinário… Pra fazer bioembalagem de mandioca não tem. Então, basicamente, estamos inventando um novo processo para o futuro. Nosso maior desafio é ter que criar desde produto, até o processo industrial, a tecnologia. Porque não tem máquina e nem processo já estabelecidos com mandioca. A gente brinca que a gente não faz P&D, a gente faz T&E: tentativa e erro porque não tem parâmetro. A gente tem que realmente errar e acertar, errar e acertar e ir construindo dessa forma. Esse é nosso maior desafio. É claro que tem o desafio do mercado também, das pessoas principalmente não entenderem a diferença desse biodegradável pro outro. De como se diferenciar para o consumidor final, quando na cabeça dele é tudo igual. Educar o mercado também é um grande desafio, do mercado começar também a entender as diferenças de soluções ambientais.
“A gente usa a fécula de mandioca brava, que é um tipo de mandioca que não serve para alimentação e já é um insumo altamente usado em outras indústrias como têxtil e de adesivos. Então, entendemos que por tudo isso ela tinha propriedades interessantes e é a única raiz, o único amido que tem propriedades físicas e químicas que nos possibilita fazer o nosso processo, que é um processo totalmente novo”
4- Fale um pouco sobre o conceito de economia circular dessas embalagens.
A gente entende que para um consumo imediato, dificilmente esse material vai ser reciclado. Para nós, um material mais inteligente não é aquele que gera menos lixo, mas aquele que não gera lixo. Se você for pensar em economia circular, a gente tem uma mandioca, que vira uma bioembalagem, que vira terra, que vira uma mandioca, bioembalagem, terra e assim infinitamente. Estamos falando em não gerar lixo. O que era o fim passa a ser só o começo. Então, é isso exatamente que a gente faz. Em alguns clientes a gente faz inclusive a logística reversa, leva esses produtos pra compostagem e isso depois é vendido como fertilizante. Ou seja, ele volta pra economia como um novo produto. Essa é importância da nossa diferenciação. É compostável ou biodegradável em quanto tempo? Em que condições? Que tipo de adubo isso gera? Se eu gero um adubo de péssima qualidade e não posso plantar nada com ele, isso não é solução. A gente se propõe a fazer um produto totalmente circular, que não precisa ser reciclável, ele pode ser compostado o que é muito melhor.
“Para nós, um material mais inteligente não é aquele que gera menos lixo, mas aquele que não gera lixo. Se você for pensar em economia circular, a gente tem uma mandioca, que vira uma bioembalagem, que vira terra, que vira uma mandioca, bioembalagem, terra e assim infinitamente. Estamos falando em não gerar lixo. O que era o fim passa a ser só o começo”
5- Quais são as embalagens atuais e seus destaques? Indicadas para quais segmentos?
Temos um produto recém-lançado com aceitação de muito sucesso, que é uma linha de potes de sorvetes chamada de potecos. Esse pote vira adubo em no máximo 15 a 20 dias, no jardim da sua casa. Ele se dissolve com a água da chuva. Nossa linha de delivery também, restaurantes e sorveterias procuram bastante. Atendemos segmentos variados, mas nossos clientes são clientes de nicho, que procuram numa embalagem algo que vá agregar valor para a marca deles, para os clientes deles. Clientes que de fato procuram uma causa e procuram um conceito. A gente atende desde restaurantes veganos, vegetarianos, naturais, comuns, sorveterias e até grandes empresas com ações pontuais em seus escritórios. Mas se tem uma coisa clara nos nossos clientes é o propósito. Eles buscam a gente por algo maior e não apenas para comprar uma embalagem.
6- Para finalizar, há algo que queira destacar ou nos contar sobre objetivos?
Nenhuma tecnologia ou uma causa cresce sozinha. O apoio de todo mundo é muito fundamental, desde o consumidor que tem uma voz importantíssima hoje em dia, para exigir dos estabelecimentos, e também das próprias empresas, de fomentar esse tipo de negócio. Gosto de falar que somos uma empresa brasileira, com uma tecnologia brasileira, com uma matéria-prima brasileira. Quanto mais pessoas divulgarem, apoiarem e se comprometerem com essa causa, mais marcas vão adotando e, consequentemente, o preço vai caindo. Isso é uma mudança na sociedade que não exige só da gente lançar um produto, exige uma mudança muito maior do comportamento de todos.