Em entrevista exclusiva, empresa revela as principais características do micélio e detalha sua aplicação
Por Elen Nunes / Editado por Flavius Deliberalli
Solucionar problemas de descarte inadequado de resíduos agrícolas e oferecer alternativas biodegradáveis a materiais de origem fóssil. Foi a partir daí que nasceu a Mush e junto com ela uma opção biodegradável para embalagens que atende diversos segmentos do mercado.
Em entrevista exclusiva, Ubiratan Sá, CEO da Mush, explica detalhadamente como é o processo de produção de embalagens a partir do micélio, além de aspectos técnicos, mercado e o futuro para esta possibilidade inovadora e alinhada com o meio ambiente.
Leia agora:
1- A Mush é conhecida por oferecer soluções inovadoras baseadas no micélio. Poderia nos contar brevemente sobre como surgiu a ideia de utilizar o micélio como matéria-prima e os primeiros passos da startup?
A ideia de usar o micélio como matéria-prima para soluções inovadoras surgiu durante uma iniciação científica orientada por Eduardo Bittencourt Sydney em 2018. Essa pesquisa explorou o potencial do micélio, uma rede de filamentos que constitui a estrutura de crescimento dos fungos (similar às raízes das plantas), combinado com subprodutos da agroindústria, como cascas, bagaços, serragem e afins, para criar materiais sustentáveis. A partir dos resultados promissores, o projeto evoluiu para a criação da FUNGI Biotecnologia em 2019, a partir do edital de fomento à inovação e pesquisa da Fundação Araucária. A partir dos conhecimentos gerados e desenvolvidos durante a trajetória de 2019 a 2023, a FUNGI Biotecnologia gerou outros spin-offs baseadas na tecnologia de micélio e deu origem à Mush (tecnologia de base inicial), Typcal (alimentos à base de micélio) e a Muush (Biotecidos) em 2023. A proposta inicial foi baseada em resolver problemas de descarte inadequado de resíduos agrícolas e oferecer alternativas biodegradáveis a materiais de origem fóssil. O micélio demonstrou ser uma solução pela sua capacidade de transformar subprodutos em produtos de alto valor agregado, com aplicações em embalagens, construção civil e design, refletindo o compromisso em contribuir com pessoas e empresas com inovações biotecnológicas sustentáveis para a redução dos impactos ambientais de suas atividades.
2- Poderia compartilhar alguns dados sobre o crescimento recente da Mush no mercado de embalagens?
Comparado com 2023, crescemos mais de 300% em 2024. As empresas que nos procuram, quanto maior e mais estabelecidas, têm ciclos maiores de maturação e adoção de novas soluções e um sistema hierarquizado de tomada de decisões. Portanto, neste momento, um ou dois casos de sucesso podem levar a mais empresas a adotarem nossa solução e tornar o crescimento exponencial.
“A proposta inicial foi baseada em resolver problemas de descarte inadequado de resíduos agrícolas e oferecer alternativas biodegradáveis a materiais de origem fóssil”
3- Como vocês enxergam o papel da Mush em atender às demandas crescentes por soluções sustentáveis no mercado de embalagens?
Somos uma solução que agrega valor ajudando as pessoas e empresas a reduzirem o impacto ambiental de suas atividades. Estamos enfrentando sérios desafios ambientais, poluição do mar, rios e lençóis freáticos, poluição do solo, mudanças climáticas com eventos cada vez mais severos e escassez de recursos. Temos um conjunto de vantagens comparativas que atendem todos estes temas, por isso nos vemos com um papel de pioneirismo e colaboração e parceria para atender as demandas de soluções sustentáveis para embalagens.
4- Quais são as principais vantagens do micélio em comparação com outros materiais do ponto de vista técnico e ambiental?
Do ponto de vista técnico é um produto moldável, isto é, pode ser utilizado para tomar diversas formas, e além de ser atóxico e retardante de chama (não propaga ou pega fogo), absorve som e isola calor em até 5 graus Celsius. Do ponto de vista ambiental, integra a economia circular, pois usa como matéria-prima os subprodutos de outra atividade econômica, a agricultura. Também é 100% biodegradável em até 90 dias depois de colocado em contato com a natureza, não usa como matéria-prima derivados do petróleo e absorve pelo menos 1kg de CO2 (um dos gases do efeito estufa) por cada quilo produzido.
“Nos vemos com um papel de pioneirismo e colaboração e parceria para atender as demandas de soluções sustentáveis para embalagens”
5- Como funciona o processo de produção do micélio na Mush e como os subprodutos agrícolas são integrados nesse processo?
Os subprodutos agrícolas são integrados desde o início do processo. Eles são a base do Mush Pack®. Misturamos os subprodutos agrícolas com água e outros ingredientes e esterilizamos o material para evitar a presença de outros micro-organismos. Depois disso, adicionamos uma pequena quantidade de fungos que se tornariam cogumelos se deixados na natureza. Mantemos tudo em salas com controle de temperatura, umidade e gás carbônico (CO2) por alguns dias para que o fungo se alimente do material e da atmosfera. Ali ele cresce e gera raízes que funcionam como uma grande rede que “amarra” as partículas, dando a consistência sólida ao material. Depois disso, removemos o excesso de água já dentro do molde que será o formato do produto e está finalizado.
6- Quanto tempo essas embalagens levam para se decompor, em quais condições isso ocorre e como o consumidor pode descartar esse material de forma adequada?
Depois de ser colocada em contato com a natureza, seja no solo, terra ou areia, água doce ou salgada, o Mush Pack® se decompõe. Melhor dizendo, retorna ao meio ambiente em no máximo 90 dias. O consumidor final pode colocar numa composteira, se a tiver, ou transformar em migalhas e misturar com o solo – num local com plantas, como grama, por exemplo, serve como adubo.
7- Quais segmentos do mercado de embalagens a Mush pode atender com soluções baseadas em micélio?
As possibilidades são ilimitadas e vão surgindo novos projetos à medida que empresas interessadas em sustentabilidade e redução de impacto ambiental nos conhecem e nos procuram. Aqui estão alguns exemplos de segmentos que estamos trabalhando: cosméticos, eletrodomésticos, avicultura, alimentos, bebidas e logística (amortecimento contra impactos com o Mush Flocos®).
“O Mush Pack® se decompõe. Melhor dizendo, retorna ao meio ambiente em no máximo 90 dias”
8- Vocês estão desenvolvendo casos de sucesso com embalagens secundárias. Poderia compartilhar algum exemplo de aplicação que já esteja em andamento?
Posso compartilhar um exemplo que desenvolvemos internamente que é a embalagem para bebidas, como o vinho. Um modo elegante e sustentável de presentear com uma bebida. O Mush Flocos® é um amortecedor de impacto para proteger objetos, mercadorias colocadas dentro de uma caixa para serem transportadas. Apostamos muito nesse produto para evitar o uso de plásticos nesta aplicação. Os demais desenvolvimentos estão protegidos por acordos de confidencialidade.
9- Como as embalagens de micélio se comportam em termos de durabilidade, resistência e logística? Existem desafios específicos nesse contexto?
Mantidas em condições de armazenamento normais, temperatura ambiente e umidade relativa de 60% a 80%, as embalagens podem durar mais de 5 anos. A resistência mecânica e a abrasão (resistência a arranhões na superfície) podem ser diferentes a depender dos tipos de ingredientes (podemos fabricar de acordo com a necessidade do cliente). No momento, toda a fabricação acontece em Ponta Grossa (PR), o que traz um desafio logístico de usá-la em outros locais distantes a mais de 600 km. Num futuro próximo, poderá ser produzido próximo do local de consumo, caso a escala faça sentido. Dentro disso, o maior desafio é ser competitivo com as soluções já existentes. Mesmo com as vantagens comparativas que temos, muitos clientes fazem peças de embalagem secundária em suas próprias instalações usando a expansão de poliestireno.
10- A Mush está em crescimento e busca ampliar sua atuação no mercado de embalagens. Quais estratégias estão sendo adotadas para fortalecer essa presença?
Comunicação institucional, parcerias em projetos com líderes de mercado em seus segmentos, parcerias com pequenas e médias empresas com sólida atuação no mercado nacional e presença internacional. Sabemos que na adoção de uma inovação, o sucesso dos pioneiros atrai os seguidores que ficam aguardando a consolidação da funcionalidade e vantagens, por isso os casos de sucesso são importantes como uma estratégia.
“Mantidas em condições de armazenamento normais, temperatura ambiente e umidade relativa de 60% a 80%, as embalagens podem durar mais de 5 anos”
11- Quais têm sido os principais desafios para as empresas adotarem o micélio em suas operações?
Nas grandes empresas, o maior desafio é todo o processo de aprovação de uma nova embalagem e substituição da solução em uso de forma competitiva. Importante ressaltar que não é apenas o preço unitário que torna a embalagem competitiva. Nestas empresas, as metas de sustentabilidade e, possivelmente, uso de créditos de carbono, podem desempenhar um fator importante. Entretanto, o ciclo é longo, tanto no que diz respeito ao tempo (12 a 18 meses), quanto ao número de pessoas envolvidas. Nas pequenas e médias empresas, vemos que o maior desafio é encontrar parceiros de design, fazer os testes e ter uma cadeia logística que equilibre as contas.
12- Em termos de inovação e escalabilidade, quais são os próximos passos da Mush para ampliar a presença do micélio no mercado de embalagens?
Inicialmente, os passos serão introduzir novos equipamentos em algumas das etapas de fabricação e ampliar o espaço de salas controladas para o cultivo do micélio. Também já estão em andamento modificações na fábrica que vão aumentar em 50% a capacidade de produção. Há um investimento contínuo em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) nas inovações tecnológicas e de processo para reduzir o tempo de produção e a quantidade produzida por unidade de tempo. Em 2024 fizemos avanços relevantes nestes temas, bem como nas propriedades do material para a utilização em embalagens.
“Nas grandes empresas, o maior desafio é todo o processo de aprovação de uma nova embalagem e substituição da solução em uso de forma competitiva. Nas pequenas e médias empresas, vemos que o maior desafio é encontrar parceiros de design, fazer os testes e ter uma cadeia logística que equilibre as contas”
13- O micélio pode ser uma alternativa viável para soluções de embalagens em larga escala?
Certamente. Com a tecnologia adequada a uma fábrica de larga escala, soluções que existem e têm eficácia comprovada, podemos manter a produção 24 horas por dia, 7 dias por semana. Mesmo em horários descontínuos, pode-se alcançar larga escala. Antes da escala, necessariamente, vem a adoção desta solução.
14- Para as empresas que ainda não conhecem ou estão em dúvida sobre a utilização do micélio em suas embalagens, qual mensagem ou recomendação você deixaria?
Seja um pioneiro e reduza o impacto ambiental do seu negócio. Faça isso antes que uma lei o obrigue. Sairá mais barato e pode ser uma diferença para seu negócio. O futuro é construído no presente e há um grupo enorme de consumidores, dentro e fora do Brasil, esperando por empresas com este perfil. O sucesso do seu negócio depende de clientes engajados.